Thursday, January 23, 2014

A Narrativa Comunitária Pós-Moderna da Frente Nacional de Marine Le Pen


Vejo com muita tristeza a forma como a direita portuguesa que não provinda do MFA-Partidos se congratula com os triunfos da FN de Marine Le Pen, sobretudo porque à dita senhora não se conhece até ao momento reflexão coerente ou sequer uma leve abordagem a algo mais profundo do que os outros partidos “catch all”. Marine Le Pen é o exemplo acabado de um floreado linguístico comunitário que nada significa, nada representa ou apresenta. As vagas referências patrióticas de Le Pen só podem ser entendidas com um significante: uma massa unida por normas convencionais de convivência, o elemento constituinte de uma democracia directa, uma comunidade desprovida de Deus. Rousseau, Rousseau e mais Rousseau.

A retórica de Marine Le Pen é infantil, porque tenta colar uma visão vazia à opinião popular. O mesmo argumento que utiliza a favor do aborto, utiliza contra a eutanásia. Porquê? As sondagens a política democrática de massas têm destas coisas. No meio de toda uma retórica nebulosa, porque vazia de argumentos, sobrevivem apenas um conjunto de elementos liberais contemporâneos, nomeadamente a ideia de que na sociedade francesa e seus pressupostos modernos seculares existe um guia para toda a ordenação da vida política. O secularismo serve para manter o Islão aparte, mas também para sustentar a ideia de que a política sobrevive sem forma religiosa.

Não será necessário acrescentar que o secularismo é a forma religiosa máxima do liberalismo contemporâneo. Nem que quando por Nação se entende “povo”, não se está a tratar de nacionalismo, mas de algo que é no presente tido por insulto. E de algo que tem intenções localizáveis junto do socialismo e comunismo.

Sunday, July 7, 2013

Capacidade Eleitoral

"The best argument against democracy is a five-minute conversation with the average voter." Winston Churchill

Quem duvida pode ir consultar o amontoado de páginas de comentários online dos jornais portugueses. Hordas de ignorantes, munidos de um completo desrespeito por qualquer norma gramatical e por qualquer conhecimento razoável sobre os assuntos, peroram eternamente sobre assuntos que não valeriam trinta segundos da vida do mais desprezível dos seres.
Um sistema que consegue fazer acreditar que estas discussões tem qualquer valor exterior às mesmas é uma mentira poderosa.

Tuesday, June 4, 2013

Posição Demissionária

Parece que a Conferência Episcopal Portuguesa convidou Jaime Gama, António Barreto e João Salgueiro para palestrar sobre Doutrina Social da Igreja. Creio ser uma boa oportunidade e que outras instituições deveriam seguir. Fernando Ulrich e Ricardo Salgado fariam uma mesa-redonda na Festa do Avante sobre “A actualidade da distribuição marxista de mais-valias”, o Senhor Dom Duarte faria o balanço do glorioso centenário republicano português e Quim Barreiros seria o palestrante de honra nas comemorações do aniversário de Domingos Bomtempo.
Será uma ocasião para ouvir, finalmente, o que os nossos políticos têm a dizer acima das banalidades sobre as origens cristãs do conceito de dignidade humana. Ou então, como na maior parte dos manuais de direito, vamos ouvir repetido o mantra do carácter soberano da política e do direito, para depois perceber que essa independência é apenas uma desculpa para uma secularização que relativiza o significado dos conceitos.
Ou isso, ou toda esta conversa de ouvir a sociedade e a política é só a desculpa da Igreja Portuguesa para não ter posição (que não seja de joelhos) perante os poderes que existem neste país.

Friday, May 31, 2013

O Estranho Jusnaturalismo do Sucedâneo Neoconservador

Com tanta boa vontade que tenho, hoje em dia, de encontrar réstias de esperança nos locais mais improváveis, foi com algum entusiasmo que tresli este texto do Henrique Raposo sobre a forma como o Conservadorismo ou radica em concepções mais profundas do cosmos, ou nada tem a dizer sobre o Homem. É fácil perceber o meu entusiasmo. Depois de ler páginas e páginas de artigos absurdos e contraditórios da lavra do rapaz (o Pasquim está cheio dos meus esgares de dor a este respeito), a possibilidade de haver um articulista aceite pelas nações civilizadas, com mais ou menos a minha idade, capaz de perceber que todas as ideias estão ancoradas em princípios metafísicos, dar-me-ia uma sensação de companhia e de esperança que há muito se extinguiu. Contudo, assim que me detive no que está escrito no texto, a esperança de um Henrique Raposo desperto para as subtilezas da filosofia política, apagou-se. É fácil ver porquê.
HR apresenta duas versões para o que pode ser o Conservadorismo.
Uma, que tem base historicista e que fecha o “dever ser” no conjunto de tradições sociais e comunitárias do grupo, sobre a qual a tradição é inquestionável, mas que, ao bom estilo da neutralidade moderna, é incapaz de encontrar nessa mesma tradição um valor cogente face a todas as outras. Esta forma, como já escrevi a propósito da primeira fase do pensamento do António Sardinha (noutros carnavais), é eminentemente moderna e pode ser encontrada em autores do idealismo alemão, em Eliot, em Oakeshott e em pilhas dos seus sucedâneos não tão bem sucedidos, tão anglo-saxónicos como os demais.
Outra, o jusnaturalismo, em que Burke se funda para defender os princípios inalienáveis do Direito Natural. Esta concepção significa que o que há a conservar é uma concepção de justiça que se encontra acima do tempo. Até aqui a coisa vai surpreendentemente bem, à excepção do disparate evidente de deixar entender que o idealismo alemão e o reacionarismo francês são um reacionarismo e um vitalismo. E é por aí que se pode medir o tamanho do equívoco do HR.
Nessa massa informe que HR entende por reacionarismo francês, há um conjunto de autores que são jusnaturalistas clássicos. E o único que não é jusnaturalista, não é francês (DeMaistre). Em particular Louis de Bonald atacou o liberalismo e a democracia por fazerem coincidir o horizonte político e moral, ou seja, fez uma apologia de uma concepção metafísica clássica contra a subversão metafísica liberal. E no entanto HR apresenta-nos uma história de bons (jusnaturalistas) e maus (historicistas, vitalistas e outros bandalhos) em que o liberalismo se apresenta como espetacular ponto culminante da existência humana. O que é que está mal neste filme?
Como é evidente, os argumentos que se opõem após a Revolução Francesa não são o reacionarismo positivista contra o liberal direito natural (como HR observa caricatural e boçalmente), mas várias concepções do que é o Natural, ancoradas em visões religiosas ou metafísicas específicas. E o disparate é mais evidente assim que se descobre, com atenção, o pensamento deste fantástico pensador (que já tem uma data de livros escritos). Diz HR que “A direita anglo-saxónica casou-se com a transcendência do Direito Natural. A direita continental casou-se com a imanência da História. Como sabes, estarei sempre com a primeira. ”. Esquece-se apenas de referir que, da direita anglo-saxónica (a confusão entre direita e conservadorismo salta à vista) o único jusnaturalismo que sobrou até ao século XIX foi o liberal. E no século XX nem isso, como provam todas as histórias do conservadorismo de Kirk a Eccleshall. Hayek, Buchanan e até Nozick, assim como os restantes neoliberais do pós-guerra, põem o prego final no caixão do jusnaturalismo liberal clássico, que no século XX não tem um autor que se apresente. Apenas um conjunto de políticos a negociar princípios liberais no domínio da economia. De jusnaturalismo, nem sombra.
Mas pior que este “western spaghetti” da filosofia política é o que HR nos diz sobre o que pensa. Diz que “O conservador está ligado à ética ou religião do Direito Natural”. Religião do Direito Natural? Percebe-se logo o que isso é… O jusnaturalismo é uma ideia que parte da concepção do cosmos, do sentido do mundo, para determinar o que é lícito e ilícito, o que aproxima e afasta o Homem do seu Ser. HR apresenta o Direito Natural como uma concepção que determina o que é a ética e a religião. Genial! O único problema é que não faz sentido. Uma religião construída para ir ao encontro das finalidades políticas, ao anseio de alguém em ser liberal, é uma forma oposta ao jusnaturalismo, o Positivismo. Ao longo de todo o texto e ao contrário do que seria de esperar num escrito jusnaturalista, nenhum argumento superior ao liberalismo (uma forma política) é aduzido. O HR gosta do liberalismo, aprecia-lhe a “jusnaturalice”, o carácter transcendente. Mas esquece-se que o mesmo origina em concepções que transcendem o próprio liberalismo (é esse o propósito de se ser liberal), senão torna-se o seu inverso.
Foi isso mesmo que Burke escreveu nas suas Reflexões e aparentemente uma das muitas coisas que HR não percebeu na obra. O liberalismo, enquanto conceito autónomo de uma tradição civilizacional, é uma ideia vazia. E o HR defende isto. E o seu contrário.
Leiam o HR para não repetirem os seus disparates.

Friday, May 24, 2013

A Insondabilidade do Amor Pós-Moderno

A Modernidade, assim que transpôs os estreitos muros da racionalidade religiosa e dos pressupostos naturalísticos que a pariram, proclamou a sua capacidade de reformular a organização social segundo os seus próprios cânones. Libertou os afectos dos indivíduos e submeteu-os à interpretação subjectiva, pretendendo não estabelecer padrões de licitude moral nas relações entre os homens. À política (indirectamente através da submissão desta a uma proposta ou autoridade moral) ficou vedada a possibilidade de reflectir sobre as licitudes dos afectos, sobre os fundamentos da vida comum dos que à comunidade pertencem. O igualitarismo fez o resto e homem moderno passou a crer que não só os seus afectos não poderiam ser sindicados pela comunidade, como teriam de ter igual reconhecimento pela comunidade. Como sempre na pós-modernidade as categorias de libertação modernas foram a única coisa que não foi devidamente desconstruída e, por isso, se ficou com um conjunto de figuras conceptuais-espectrais, que denotam o exemplo mais acabado da wasteland moral do nosso tempo. Por um lado, ao estilo do moderno subjectivismo, toda a gente tem “direito a uma família”. Mas também toda a gente tem “direito a definir e procurar o seu modelo de família”. Em suma, toda a gente tem um direito a ter algo que o próprio se ocupará de definir o sentido. Um casal homo-pan-trans-sexual, um agrupamento poligâmico, tem direito a escolher e a ver reconhecida legalmente a sua concepção de família. Mas aqui falta explicar porque é que tem sequer de haver conjugalidade ou sexualidade envolvida. Porque é que a libertação do modelo familiar não pode emancipar-se das concepções de conjugalidade (que no fundo são meras emanações do paradigma religioso) e transformar-se realmente em algo puramente livre? O grupo de swingers da Avenida da Boavista, a comunidade de amor-livre da tenda 4 do Boom Fest, ou o Grupo Excursionista e Recreativo do Parque de Campismo da Costa da Caparica, são aglomerações humanas com tanta dignidade e insondabilidade de afectos como outra qualquer. Deverão ver reconhecida a sua relação, como outras quaisquer, tendo assim possibilidade de casar, adoptar e de ser reconhecidos como núcleo essencial de vida e educação.
Falta explicar uma coisa no meio de tudo isto. Se essas formas de vivência comum são todas lícitas e se não pode escolher entre formas de vida em comum, no que é que a adopção é melhor que a institucionalização das crianças? A solução para as crianças órfãs seria a sua adopção pelas instituições que as acolhem. O que é claramente um contra-senso.

Thursday, May 23, 2013

Liberdade

 Tomada pelas concepções modernas, a Liberdade apresenta-se como a finalidade das coisas humanas que anseia pela libertação da vontade individual da vontade do seu semelhante. Um sonho que nas versões protestantes e ideologizadas do liberalismo esconde uma realidade incontrovertível: o preço de toda a liberdade individual é a limitação da mesma aos muros determinados pelo soberano. O protestantismo de Hobbes e Locke acreditava que as coisas da política poderiam ser separadas das concepções religiosas, esquecendo-se de que esta concepção era de origem luterana e que destas crenças supervenientes (derivadas de uma interpretação específica dos textos sagrados), mas tornava este núcleo de crenças secularizadas o núcleo essencial da comunidade política. Esqueceu, porém, que com o protestantismo viria uma concepção de liberdade que permitiria a qualquer indivíduo questionar esses próprios fundamentos. Depois de “um homem, um Papa” do protestantismo, viria “um homem, um Deus” da ideologia. O indivíduo ideológico passa a dispor de si de uma maneira até então nunca vista, passa a poder escolher a norma que o rege e com isso a poder dispor dos elementos conceptuais que até aí sustentavam o anseio da sua libertação individual. No anseio de se libertar o indivíduo liberal proclama a libertação da metafísica, para se prostrar aos pés das vontades do seu semelhante, transformadas em única unidade de conta do político.
A libertação do indivíduo, em todo o seu esplendor, falha ao prometer aquilo que não poderia nunca oferecer. A libertação do domínio do homem pelo homem, que o hipermoderno Marx havia prometido, na linha de toda a Modernidade, reveste-se da falsidade de um sonho que havia sido traçado por filosofias anteriores, com conceitos que foram deixados ao longo da senda libertadora. O erro da viagem foi acreditar que poderia chegar a um destino, em que cada um rasgou para si uma parte de um mapa, incompreensível nas suas fracções.
Toda a liberdade vem da incondicionalidade. O núcleo da comunidade é sempre inegociável. Só nos resta escolher se queremos servir os vivos ou os mortos. Se queremos ser escravos do mundo ou do que neste só está em sombras.